Capítulo 1

Venha ao Miramar ainda mesmo que chova

ou

o título que não foi

Antes mesmo de começar a redigir estas páginas, o título “VENHA AO MIRAMAR AINDA MESMO QUE CHOVA” já estava escolhido. Por razões várias, depois de muitas hesitações e com muita dor no coração, teve de ser mudado.

Mas qual a razão de minha fascinação por esse slogan?

Tem a ver com coisas idas, vividas em um passado que quase se perde na noite dos tempos.

Miramar… Amo essa palavra e tudo o que ela evoca.

Um muro cinza quase em ruínas… E em letras quase apagadas, o convite:

VENHA AO MIRAMAR AINDA MESMO QUE CHOVA.

Na minha memória, ele parece um imenso grafite.

Que idade eu teria? Sete, oito anos.

Quando passava de bonde, a caminho da praia, aquelas palavras deliquescentes, diluídas pela chuva e pelos anos, mexiam comigo. Havia naquelas letras negras gravadas no muro cinzento, algo de mágico, de extremamente fascinante, sorte de “invitation ao voyage” a um país das maravilhas.

O que realmente se esconderia por detrás do muro? Apenas mato, talvez. Exuberante e viçoso, por entre os escombros do que já não era.

A frase tantas vezes ouvida ao longo da infância, repetida em tom de humor por santistas nostálgicos, e mais todos aqueles slogans que me obcecavam e me acompanharam pela vida afora: Chova, vente ou faça sol… Não há inverno, nem verão. Eterna primavera. Hoje melhor do que ontem. Amanhã melhor do que hoje.

Indo a Santos, vá ao Miramar, ainda mesmo que chova. Era a versão para os “forasteiros” como, então, eram chamados os turistas.

A expressão ainda mesmo que chova era marca registrada sob número 4791.

Diante de tantas referências à famosa inscrição, de tantos testemunhos e de suas variantes, às vezes, chego a ficar um pouco em dúvida.

Era ou Venha? Venha ao Miramar ou Venha, hoje, ao Miramar? Ficava no muro da Conselheiro ou no da Bartolomeu de Gusmão?

O velho Miramar, aonde se podia ir ainda mesmo que chovesse, eu não conheci. Dele, o que ficou na minha lembrança, de forma indelével, foi a visão daquele muro descorado e das palavras encantatórias.

Pichação de algum saudosista?

Maior estabelecimento de Diversões da América do Sul, O Miramar, de que me falam os jornais da época, com seus luxuosos salões, Cassino, Jazz Band, Orquestra Miramar, chás dançantes, “sauteries”, Dancing-Cabaré-Restaurant com seu menu em francês, cinemas com sessões corridas, cinema ao ar livre, rinque de patinação, chegou ao fim em 1928 com a proibição do jogo por Washington Luiz.

Lá em casa, esquecido na caixa de ferramentas, por entre alicates, chaves-inglesas, martelos e caixas de pregos, havia um par de patins enferrujados com que papai, na juventude, rodopiara no rinque do Miramar.

Mas, o Miramar, que eu conheci, foi outro, que veio mais tarde, o Cine Miramar, mais novo, mais modesto, de memoráveis tardes de sábado – a matinée das moças – quando as meninas da 4ª série C cabulavam a aula do Frenor e iam em bandos assistir aos filmes de Tyrone Power e Gene Tierney, Elisabeth Taylor e Jane Powell, Farley Granger e Ann Blyth, Ava Gardner e Burt Lancaster, Mickey Rooney e Judy Garland.

O prédio ao lado, que fizera parte do complexo Miramar, usado mais tarde como quartel do 6º batalhão da Força Pública, ao contrário do muro, jamais mexeu com o imaginário do santista, e foi demolido, na indiferença geral, em 1950.

O nosso Cine Miramar teve sua última sessão em uma segunda-feira de setembro do ano seguinte. E foi assim que os dois Miramar deram lugar a um edifício de apartamentos e ao Cine Caiçara.

Que também já não existe mais.